Valorizando lembranças.
A importância da preservação do nosso patrimônio
histórico.
Foto Fernando Rodrigues |
Nosso maior patrimônio existente no planeta é a própria humanidade que
herdou todos os bens naturais, materiais e intangíveis. Cabe a
ele, ao homem, a guarda e a preservação desses bens que, sendo as
características de um povo, o agrega e o distingue. Incluído nisso estão todos
os bens móveis, imóveis e naturais. Nossa função seria cuidar desses bens edificados
(deixados pelas gerações passadas) e dos naturais, que também são menosprezados
pela população e muitas vezes alvos de depredação.
“Uma página apagada de nossa história”. É assim que Maria Beatriz
Kother, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS),
define a importância da preservação do patrimônio histórico. “Perdemos muito
cada vez que nosso patrimônio é demolido, descaracterizado ou mutilado. É como se
apagassem uma página de nossa história. São danos irreversíveis”, afirma.
Mesmo
reconhecendo a importância do patrimônio histórico, as autoridades responsáveis
pela questão no Brasil não conseguem responder adequadamente, preservando,
mantendo ou recuperando os prédios, ou monumentos. Ações da sociedade civil têm
conseguido ao menos alertar sobre o significado do patrimônio histórico que,
além de um valor material e estético, conserva em si elementos da história do
lugar e de sua população.
Foto Cezar Rodrigues |
Foto Cezar Rodrigues |
Foto Cezar Rodrigues |
Considero
que a destruição do patrimônio histórico significa não apenas perda de qualidade
de vida, mas de cidadania e de senso de pertencimento aos locais e aos grupos
comunitários, o patrimônio é responsável pela continuidade histórica de um
povo, de sua identidade cultural. Mas porque ainda há tanto descaso em relação
a imóveis, monumentos e objetos que deveriam ser tombados e não são? E em
relação aos que são tombados, mas que não têm a preservação e o restauro que
deveriam ter?
De acordo
com especialistas, a preservação do patrimônio histórico não é apenas uma
questão do poder público, mas da sociedade como um todo. E, nesse sentido, é
preciso que haja uma maior conscientização por parte da sociedade. Sem as ações
de órgãos como Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e
Iphae (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Estadual), e dos
municípios, a situação seria terrível. Mas não podemos e não devemos transferir
a responsabilidade da preservação unicamente aos organismos públicos. E a nossa
responsabilidade pessoal, onde está? Como e quanto, como cidadãos, lutamos pela
preservação?
Com a
intenção de proteger bens que possuam valor histórico, artístico, cultural,
arquitetônico, ambiental e que, de certa forma, tenham um valor afetivo para a
população, é que se tem o instituto do tombamento, caracterizado pela intervenção
do Estado na propriedade, e regulamentado por normas de Direito Público.
O vocábulo
tombamento é de origem portuguesa, e é utilizado no sentido de registrar algo
que é de valor para uma comunidade, protegendo-o através de legislação
específica. Implantado no Brasil pelo governo de Getúlio Vargas.
O
tombamento não é a única solução para a preservação, mas serve como um
instrumento, uma forma de salientar a importância de alguns prédios ou objetos
que merecem atenção especial. O ideal seria que houvesse uma maior
conscientização da importância da salvaguarda de nossos referenciais, de nossa
memória.
Quando um
imóvel é tombado, todo processo de demolição, reforma ou restauração precisa
ser aprovado por um órgão público competente, e nem sempre a relação entre o
público e o privado é das mais amistosas. Do ponto de vista do proprietário,
poucos estão dispostos a dividir a tutela do seu bem com o Estado, e muito
menos a arcar com eventuais perdas de valor financeiro do imóvel (o que ocorre
especialmente em lotes com altos coeficientes de aproveitamento, onde, se
demolido o imóvel histórico, poderia ser construído um edifício de maior
valor).
Muitas
vezes, na tentativa de implementar a reforma desejada, o proprietário primeiro
faz as alterações e só depois resolve ´´regularizar`` a obra entrando em
contato com o órgão de preservação. Em outras, os imóveis sofrem sabotagens,
agressões e/ou incêndios na calada da noite, como tentativa de descaracterizar
o processo de tombamento e, assim, possibilitar uma nova construção em uma área
de alto valor especulativo. Nesses casos, o proprietário é responsabilizado
criminalmente e sofre processos judiciais junto ao Ministério Público.
Segundo
Ana Lucia Goelzer Meira, superintendente do Iphan-RS, as fiscalizações por
parte das instituições que realizam os tombamentos são periódicas. Tanto no
caso de descaracterização quanto de crimes intencionais, os proprietários
respondem processo em relação ao Decreto-Lei n° 25 (lei de tombamento federal)
e ao Código Civil.
Ainda que
toda e qualquer obra deva ser previamente aprovada pelo órgão que efetuou o
tombamento, um imóvel tombado pode, sim, ser reformado e até mudar de uso. O
que será considerado é a harmonia entre a preservação das características do
edifício e as adaptações necessárias ao novo uso, sendo que inúmeras
edificações antigas, cuja função original não mais existe, são readaptadas para
uma nova utilização. A maioria dos órgãos de preservação fornece,
gratuitamente, orientação aos interessados em executar obras de conservação ou
restauração em bens tombados.
Para
Kother, o processo de tombamento prevê uma série de etapas nas quais o
proprietário tem a oportunidade de dialogar, de conhecer as implicações do ato
e, muitas vezes, o tombamento acontece por solicitação do próprio proprietário.
´´É claro que podem acontecer conflitos ou mesmo divergências, mas acredito que
estas são saudáveis, pois nem o público nem o privado são detentores da verdade
absoluta. O importante é que essa interação alimente a reflexão. O maior
problema é a especulação. Esta, sim, não se importa com nada que não seja o
lucro e, muitas vezes, imediato``, diz.
Quando se
fala hoje de patrimônio histórico, se encontram dificuldades de todos os tipos,
pois a complexidade do tema e a sua diversidade são muitas vezes inversamente
proporcionais à velocidade dos interesses. “No campo conceitual ou técnico
estamos bastante avançados. Entretanto, enquanto não houver um entendimento de
que a valorização de nossa cultura pode e deve tornar-se um instrumento
de desenvolvimento, um agente transformador, gerador de resultados
concretos na nossa economia, ainda teremos muitas dificuldades na preservação
de nosso patrimônio. E a participação e atuação da sociedade civil é
imprescindível nesse processo, afirma Maria Beatriz Kother.
Uma
estação ferroviária, que testemunha uma
atividade hoje extinta, por exemplo, um antigo casarão são tão importantes para
a nossa percepção de história e para a história da arquitetura quanto são
igrejas ou teatros. As pessoas ainda acreditam que só devem ser considerados de
boa arquitetura edifícios assinados por alguém que se tornou famoso, ou entende
como patrimônio histórico prédios onde viveram personagens marcantes do seu
cotidiano.
O
patrimônio histórico, entendido como um conjunto de bens e valores
representativos de uma nação deve ser compreendido como herança de um povo,
como “uma página de nossa história” e, portanto, é preciso que seja visto cada
vez mais como uma questão da sociedade, e não apenas do poder público.
A todos os
que se preocupam com o nosso patrimônio e com a cidade como um todo, felicito
pelo esforço e pelo desgaste que é AMAR São Borja.
Matéria publicada no Jornal Armazém da Cultura de Novembro de 2012.
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