São Jorge Missioneiro, quem dá mais?

São Jorge Missioneiro




Nesta semana fomos surpreendidos por um anúncio de um leilão virtual que possuía quatro imaginárias oriundas das Missões, um Santo Inácio de Loyola, um cristo crucificado, uma Santa oriunda de Garruchos, e uma de São Borja conhecida popularmente como “São Jorge Missioneiro”. 

O São Jorge Missioneiro atualmente de propriedade de um Antiquário de Porto Alegre, que adquiriu as imaginárias na região de São Borja e hoje encontra-se em lote de um leilão virtual. Acompanha a estatuária um documento assinado por José Arnaldo Motta Trois, que afirma ser de origem missioneira, oriunda de espólio da Guerra do Paraguai e na família Motta desde então. 

A peça foi presente do General Francisco Rodrigues Lima à sua filha Alda Sarmanho Motta. A imaginária popularmente chamada de “São Jorge Missioneiro” era conhecida por sua fama de “milagreira” na cidade de São Borja, as pessoas faziam muitas promessas e quando eram atendidas faziam uma roupa nova para o santo, é um santo de roca, ele era vestido de roupa da guerreiro, as vezes de soldado da guarda imperial, e outras de marinheiro. 

Infelizmente este não é o primeiro caso e nem será o último, em nossa história comunal, a saga de sacrilégios com a imaginária missioneira de São Francisco de Borja vem de muito tempo. Em 1893, quatro estatuária de São Borja foram para Chicago nos EUA com objetivo de compor a mostra brasileira na exposição de Chicago, estas imaginárias nunca mais voltaram para a cidade. 

O padre Hermenegildo Gambetti pároco da cidade no ano de 1922, foi vítima de uma agressão. Foi sequestrado por homens da comunidade, que lhe espancaram, despiram e forçaram a atravessar para a Argentina, por ser acusado de ter vendido estatuárias da Igreja Matriz de São Francisco de Borja para um museu na República vizinha. 

Em 1959 com a demolição da igreja matriz o retábulo fotografado por Lucio Costa e, que era uma verdadeira relíquia, uma peça única magistral, que chamou a atenção do arquiteto, e que era todo esculpido em madeira, cheia de entalhes, foi destruída ou vendida, pois desapareceu. 

O Padre Olmiro Hartemann, que vendeu o seu acervo particular adquirido em São Borja para a Prefeitura de Santo Antônio das Missões, em 1977, é o mesmo que durante o regime militar (1964) presenteou um general que estava em visita a São Borja, com uma imaginária Missioneira de posse da Igreja. O general Nelson Boiteux posteriormente realizou a doação ao Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro. 

Na década de 1980 e 1990 inúmeras foram as apreensões de imaginárias pelas autoridades policiais, devido ao comércio ilegal das mesmas na cidade. Em 2007 tivemos o caso do santo queimado por um Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que ganhou repercussão nacional, nesta ocasião duas imaginarias foram perdidas. 

O desconhecimento da sociedade sobre esse acervo coloca em risco sua integridade. Acrescenta-se a isso a sua rápida deterioração e a ignorância do real valor dessas peças por alguns detentores, o que provoca danos muitas vezes irreparáveis. 

Ao levantarmos o histórico da formação do patrimônio jesuítico missioneiro em São Borja, sua herança cultural nos dias atuais, e a influência da identidade missioneira no pensar dos são-borjenses chegamos até alguns nomes que por aqui passaram e deixaram registrado a importância da Redução de São Francisco de Borja especialmente a imaginária que foi produzida, entre eles os viajantes Auguste de Sant-Hilare em 1821, Arsene Isabelle em 1833, e o arquiteto Lúcio Costa 1940, entre outros. 

Mesmo com este legado e importância, efetivamente no município praticamente nada foi feito para a preservação destes patrimônios, esta invisibilidade é gritante, tiveram algumas iniciativas isoladas de defensores do patrimônio nos últimos anos, mas por parte da governança local praticamente NADA, até o conselho de cultura encontra-se inativo. 

Consideramos de suma importância o inventário e tombamento dos resquícios jesuíticos-missioneiros de São Borja, ajudando assim a resgatar uma dívida dos cidadãos de ontem e hoje para com as gerações futuras de nossa terra. 

Também se faz necessário uma intervenção da governança cultural da cidade, Secretaria e Conselho de Cultura, junto a Câmara de Vereadores e ao Ministério Público para que busquem maneiras de repatriar este patrimônio para o Museu Municipal Apparício Silva Rillo, assim como já ocorreu na cidade vizinha de Santo Ângelo a alguns anos, onde conseguiram recuperar para o seu município duas imaginárias que encontravam-se também em leilão. 

Tomamos a iniciativa de encaminhar um requerimento ao Ministério Público e ao IPHAN, solicitando a sua interferência se assim julgarem pertinente na suspensão do leilão, para que possamos ganhar tempo e mobilizar a comunidade local na tentativa de repatriar este patrimônio para o Museu Municipal Apparício Silva Rillo, ficamos na torcida e no aguardo. 

Um povo que não preserva suas raízes é um povo esquecido de si mesmo, de sua História e de suas origens, sem legado a preservar ou a transmitir.

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